Coluna do Ronaldo Cascelli – Psicopatologia da corrupção

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Historicamente, o termo “crimes do colarinho branco” tem sido usado para designar práticas de favorecimento ilícito, roubo e toda sorte de infrações praticadas por pessoas que ocupam cargos de importância social ou com alto nível de escolaridade, e que se utilizam desse status ou de sua influência para consumar um crime. Com os recentes escândalos de corrupção em nosso país, temos notado o surgimento de um estado aversão do público em geral a indivíduos ou empresas que ocupam posições de destaque na política ou economia, generalizando a opinião do senso comum de que esses cargos dependem intrinsicamente da corrupção para se sustentar. De certa forma, essa ideia é coerente se levarmos em consideração o quão prejudicial é o nosso modelo burocrático para a livre iniciativa, e o quão disseminado é o controle estatal sobre os indivíduos; “justificando” assim o uso do poder e da influência para a manutenção de privilégios.

Seria possível identificar elementos patológicos nas mentes dos indivíduos que recorrem à esse tipo de prática criminosa? Pois bem. Desde a antiguidade o estudo dos temperamentos tem associado a presença de sintomas às características comportamentais das pessoas. No último século, essa ideia tomou forma com o psiquiatra alemão Ernst Kretschmer. Ele descreveu os temperamentos de hipertimia (sintomas leves de euforia, aumento da energia, sociabilidade, extroversão), e de distimia (sintomas leves de introspecção, baixa energia, ansiedade e insegurança). O primeiro tende a comportamentos impulsivos e de risco, e o segundo tende a evitar situações de risco. A partir daí, desenvolveu-se o conceito de que os sintomas temperamentais são crônicos e fazem parte da personalidade do indivíduo, em detrimento dos sintomas episódicos, que constituem transtornos e processos patológicos transitórios (como a depressão, síndrome do pânico, as fobias, etc.).

Tendo em mente essas definições, e sabendo que a personalidade é determinante no comportamento, estudos recentes têm relacionado a propensão que certos indivíduos tem à prática de crimes econômicos e à corrupção: os famosos crimes do colarinho branco. Foi identificado que dentre esses criminosos, a maioria se apresenta com a auto imagem inflada, são extrovertidos, impulsivos, hedonistas e sociáveis, com menor risco de desenvolver transtornos depressivos. Sendo assim, podemos considerar que os indivíduos com traços de personalidade que remetem ao temperamento hipertímico, são os mais propensos à prática da corrupção.

Apesar disso, não devemos ignorar que a corrupção em nosso meio está também relacionada a fatores sociais, culturais e políticos: sociais no que tange aos costumes e práticas de favorecimento, individualismo e ostentação; culturais no que diz respeito à tão falada “cultura da impunidade”; e políticos através da enorme burocratização e intervenção do Estado na economia e na vida individual.

Portanto, combater a corrupção requer o esforço em reconhecer que se trata de um problema multifatorial, e que por isso depende da reformulação de todo o ambiente em que vivemos, a fim de se inibir a perpetuação desse costume patológico, criminoso e imoral.

Referências

* Alalehto T. Economic Crime: Does Personality Matter? Int J Offender Ther Comp Criminol. 2003;47(3):335-355. doi:10.1177/0306624X03047003007.

* Poortinga E, Lemmen C, Jibson MD. A case control study: White-collar defendants compared with defendants charged with other nonviolent theft. J Am Acad Psychiatry Law. 2006;34(1):82.

* Ragatz LL, Fremouw W, Baker E. The Psychological Profile of White-collar Offenders. Crim Justice Behav. 2012;39(7):978-997. doi:10.1177/0093854812437846.

* Kretschmer E. Physique and Character. An Investigation of the Nature of Constitution and of the Theory of Temperament. London: Kegan Paul, Trench,Trubner& CO.,LTD; 1925.

* Ben-David S. Personality traits in white-collar offenders. Med Law. 1991;10(6):527.

Autor: Ronaldo Cascelli Schelb Scalla Pereira, médico e membro da Sociedade de Neuropsiquiatria de Minas Gerais e da Associação Brasileira de Psiquiatria.

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