Coluna do Henrique Varella – A alimentação indígena e suas superstições gastronômicas

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A alimentação indígena tinha como alicerce a mandioca, na forma de farinha e de beijus, mas também de frutas, pescado, caça, milho, batata, pirões e, com a chegada dos portugueses, do inhame trazido da África.

Vamos então conhecer um pouco mais desse pedaço da história gastronômica de nosso país, que influenciou e determinou nossos pratos de hoje?

Todos os povos indígenas conheciam o fogo e o utilizavam tanto para o aquecimento e a realização de rituais quanto para preparar os alimentos. As principais formas de preparo da carne era assá-la em uma panela de barro sobre três pedras (trempe), em um forno subterrâneo (biaribi), espetá-la em gravetos pontudos e colocá-la para assar ao fogo — de onde teria vindo o churrasco do Rio Grande do Sul — colocá-la sobre uma armação de madeira até ficar seca para que assim pudesse ser conservada (moquém) ou algumas vezes cozê-la. No biaribiri colocavam uma camada de folhas grandes em um buraco e sobre elas a carne a ser assada e sobre essa carne ainda, uma camada de folhas e outra de terra, acendendo sobre tudo uma fogueira, de onde teria surgido o modo de preparar o barreado – típico prato do estado do Paraná, que geralmente acompanha banana cozida e farinha. Por vezes a carne cozida servia para o preparo de pirões – a mistura de farinha de mandioca, água e caldo de carnes. Havia duas formas de preparar os pirões, cozido ou escaldado – Na primeira, o caldo é misturado com a farinha aos poucos e mexido até ganhar consistência adequada. Na segunda, simplesmente misturam-se os dois, resultando em um pirão mais mole.

Ao lado da farinha e do beiju – e o beiju, ou biju, ou tapioca é uma iguaria tipicamente brasileira, de origem tupi-guarani, feita a partir da fécula extraída da mandioca, também conhecida como goma da tapioca, tapioca, goma seca, os polvilhos doce e salgado, e ainda como massa de mandioca. Todos esses nomes podem ser encontrados por ai.

A goma da tapioca espalhada numa chapa aquecida coagula e vira um tipo de panqueca ou ainda crepe seco. Em forma de meia-lua ou discos e seu recheio mais tradicional é com coco e queijo. Delícia!

É comum também encontrar outras variedades, como o beiju de lenço e beiju de massa, feitas em fornos de casas de farinha das comunidades rurais em determinadas épocas do ano.

A caça era outra das principais fontes de alimento. As principais carnes eram as de mamíferos como o porco-do-mato, o queixada, o caititu, a paca, o veado, macacos e a anta – que servia de comparações com o boi, a anta estrangeira. Eram preparadas com pele e vísceras, o pêlo queimado pelo fogo e os miúdos, órgãos internos, depois retirados e repartidos.

A pesca, de peixes, moluscos e crustáceos era realizada com arco a pequenas distâncias. Os maiores eram assados ou moqueados e os menores cozidos, sendo o caldo utilizado para fazer o pirão. – por vezes, secavam os peixes e socavam-nos até fazer uma farinha que podia ser transportada durante viagens e caçadas.

A paçoca era produzida da mesma maneira, pilando-se a carne com a farinha de mandioca, alimento que depois foi adaptado com castanhas de caju, amendoins e açúcar no lugar da carne e transformado em um doce.

Para temperar o alimento usavam a pimenta ou uma mistura de pimenta e sal pilada chamada ionquet, inquitaia, juquitaia, ijuqui. Sempre era colocado após o preparo e mesmo comido junto com o alimento, colocando-se um naco de comida na boca e em seguida o tempero. O sal era obtido a partir de difíceis processos de secagem da água do mar, em salinas naturais — sal mineral — ou a partir da cinza de vegetais.

Entre os alimentos líquidos indígenas encontra-se a origem do tacacá, do tucupi, da canjica e da pamonha. O primeiro surge a partir do sumo da mandioca cozida, chamado manipueira, misturado com caldo de peixe ou carne, alho, pimenta e sal e o segundo a partir da fervura mais demorada do mesmo sumo. A canjica era uma pasta de milho puro até receber o leite, o açúcar e a canela dos portugueses ganhando adaptações de acordo com o preparo, como o mungunzá, nome africano para o milho cozido com leite, e o curau, feito com milho mais grosso. A pamonha era um bolo mais grosso de milho ou arroz envolvido em folhas de bananeira.

Os índios fabricavam também bebidas alucinógenas para reuniões sociais ou religiosas, como a jurema no Nordeste. Com seus ingredientes e técnicas a culinária indígena formaria a base da culinária brasileira e daria sua autenticidade, com a mandioca sendo o ingrediente nacional, pois era incluída na maioria dos pratos.

A maioria das superstições brasileiras à mesa tem origem portuguesa. Algumas tribos indígenas evitavam apenas comer seus animais totem (é qualquer objeto, animal ou planta que é cultuado como deus ou equivalente) e os escravos tinham o costume de não deixar restos de comida no prato para que não pudessem ser utilizados por seus inimigos.

A base das restrições alimentares envolve a mistura de comidas e a ingestão de bebidas após certos alimentos. A salada de frutas, por exemplo, era mal vista devido a isso. Da mesma forma, a ingestão de cachaça após certos alimentos como leite, mangas, melancias, bananas e farinha, ou o leite com pinhas, banana-anã, jacas e principalmente, mangas. O leite, aliás, por ser visto como um alimento completo não necessitaria de outros e por isso a mistura faria mal à saúde. Outras restrições envolvem o comer em excesso que causaria doenças, o consumo da cana-de-açúcar e de melancias ao sol e ainda outros alimentos teriam efeitos medicinais, como a cachaça que cortava os efeitos da gripe e dos resfriados. Para os efeitos medicinais eles também contavam com as frutas cítricas.

Algumas crenças envolviam o credo religioso católico, quando evitavam falar “nomes feios” à mesa, comer despido, ou de chapéu, por acreditar que fosse uma ofensa a Jesus, ao anjo da guarda ou a algum santo que estivesse presente durante as refeições. Ainda devido a religião era o tabu dos treze convivas à mesa, isso porque durante a última ceia, haviam treze pessoas à mesa.

A utilização do fogão à lenha provocava algumas superstições também e envolviam o acendimento e o apagamento da chama. Por exemplo, a utilização de papel para acender o fogo, fazia com que a comida ficasse sem sabor. Não se devia apagar o fogo com água, ou pisando-se sobre as brasas, nem acendê-lo pelo meio ou atiçá-lo com objetos metálicos. Jogava-se alho ao fogo para afugentar o diabo quando o fogo estivesse soltando faíscas.

Durante o preparo, há ainda a crendice da boa e da má mão. Ter boa mão é preparar a comida com qualidade, de forma rápida. Culpa-se a má mão quando não se acertam os temperos ou o preparo. Ainda outras crenças envolvendo o preparo incluem o mexer a comida em uma única direção e por uma única pessoa e a proibição de bater na borda da panela com a colher o que poderia ameaçar o preparo, “fazê-lo desandar”.

Será então que assim como as técnicas e os ingredientes mantiveram-se em nossas cozinhas, as superstições também acompanharam os costumes de nós cozinheiros tupi-guaranis e revelam algum efeito sobre a comida de hoje e sempre?

Autor: Henrique Caldas Varella – Gastrônomo, formado pela Faculdade Estácio de Sá – BH

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